As mercadorias provenientes de países terceiros que cumpram as formalidades aduaneiras de importação em Portugal dão lugar à liquidação e cobrança do IVA. Esta regra não é comum a todos os Estados-membros e muitos optaram por não cobrar o IVA no momento da introdução das mercadorias em livre prática.
Ao aplicar o IVA no momento da introdução em livre prática das mercadorias importadas de países terceiros as autoridades fiscais portuguesas ficam com a sensação de que obtêm ganhos em receita fiscal, fica-se com a falsa ilusão de que desta forma não haverá fuga ao imposto. É a lógica do “já cá canta”.
Além disso, esta solução vai de encontro à ideia de que desta forma é criada uma barreira protecionista compatível com a regulamentação da União Aduaneira. Como muitos argumentos em favor do protecionismo nas trocas internacionais é muito falível, uma economia dependente de matérias-primas importadas é penalizada globalmente e dificilmente se está favorecendo a substituição de importações. Os custos deste protecionismo propagam-se por toda a economia, funciona mais como um imposto adicional sobre toda a atividade económica do que como uma penalização das importações.
Estamos perante uma sucessão de equívocos, com resultados profundamente negativos para a economia portuguesa, penalizando a competitividade interna e externa das empresas nacionais. O resultado desta opção é a perda de competitividade das infraestruturas portuárias nacionais, porque se traduz em significativos desvios de tráfego do comércio de importação português para portos de países europeus concorrentes, perda de atividade económica com impacto significativo no emprego.
Quando uma mercadoria é descarregada num porto nacional para aí cumprir as formalidades aduaneiras cria-se riqueza em Portugal. Se em vez de ser descarregada em Lisboa essa mercadoria for deslocada para outro porto, por exemplo Vigo, produz-se menos riqueza em Portugal e pagam-se serviços ao estrangeiro, o país perde riqueza e acaba por pagar mais caros os produtos que precisa de importar. É isso que tem sucedido desde há muitos anos.
Se as mercadorias forem importadas em Portugal os portos terão mais atividade de empresas de estiva, gerando taxas portuárias, serão contratadas despachantes e agências de navegação nacionais, recorrer-se-á a transportadores portugueses para levarem as mercadorias dos portos até ao armazém dos importadores. Sendo mais competitivos em termos fiscais os nossos portos serão igualmente mais competitivos no plano operacional podendo atrair mais facilmente as importações de outros Estados-membros da EU.
Um maior volume de mercadorias descarregadas nos portos portugueses leva a que um maior número de navios esteja interessado em fazer escalas nestes portos favorecendo a utilização dos seus serviços enquanto plataformas internacionais. Os navios que entram em portos nacionais abastecem-se de combustíveis, usam a hotelaria quando rendem as tripulações, adquirem os abastecimentos de bordo em Portugal, contratam as nossas empresas para fazerem pequenas reparações e mais facilmente equacionarão a hipótese de recorrer a estaleiros nacionais para reparações maiores. É toda uma fileira de serviços que começam nas agências de navegação e pode terminar na concentração de operações de logística em Portugal
Quando se “expulsam” as importações portuguesas para outros portos, o que sucede com as atuais regras de aplicação do IVA, as empresas portuguesas pagam ao estrangeiro toda a prestação de serviço envolvendo a descarga, o desembaraço aduaneiro e o transporte para os seus armazéns. Isso significa uma significativa perda de riqueza que deixa de ser produzida em Portugal.
Os efeitos não se ficam por aí, todas as atividades associadas ao trabalho portuário são penalizadas, por que as nossas mercadorias são desviadas para portos estrangeiros, daí resulta menos riqueza e menos emprego.
Devemos ainda considerar que o impacto não se fica pelas consequências diretas para os setores de atividade associados aos portos. Menos atividade portuária significa menos competitividade dos nossos portos, que deixam de contar com o músculo produzido pela procura interna. É uma situação caricata num país onde tanto e fala da aposta nos nossos portos e do investimento em parques logísticos associados aos portos portugueses.
Um país que inventa mecanismos protecionistas ilógicos não enxota apenas as mercadorias importadas para portos que concorrem com os portos nacionais, enxota também as empresas multinacionais que por uma questão de logística decidem concentrar a sua armazenagem num país europeu ou, estando em causa o mercado ibérico, num dos países ibérico.
Com a eliminação das fronteiras internas muitas empresas multinacionais reequacionaram a sua logística e apesar da situação geográfica do país, das vantagens oferecidas por alguns dos nossos portos ou dos baixos custos de mão de obra se comparados com os nossos parceiros europeu, Portugal perdeu e continua a perder muitas empresas que deslocalizam as suas sedes e armazéns para a vizinha Espanha ou para outros Estados-membros da EU.
Contam-se pelas muitas dezenas, muito provavelmente centenas as empresas internacionais que abandonaram o país para concentrarem as suas atividades comerciais na vizinha Espanha ou noutros países europeus. Nesses países os governos adotaram políticas ativas para se tornarem atrativos para a instalação da atividade logística dos grandes importadores. Portugal optou-se pela tacanhez, por uma ilusão de receita fiscal mais fácil, o resultado foi desastroso, o país perdeu riqueza, empregos e receita fiscal. As empresas deslocaram as suas sedes para outros países e perderam-se milhares de empregos.
Em nome de uma suposta proteção da indústria portuguesa não se protegeu ninguém, a verdade é que se penalizaram muitos dos nossos exportadores pois uma boa parte das matérias-primas são importadas e o benefício do país não está em favorecer a produção nacional de matérias-primas que não existem, está sim em exportar a nossa mão de obra e o nosso saber como valor acrescentado nos nossos produtos de exportação.
Quando exportamos uma camisa de algodão não estamos exportando o algodão ou os amidos eterificados usados na produção das colas de amido indispensáveis aos tecidos, nunca produziremos algodão e dificilmente seremos competitivos com a indústria de amido dos grandes produtores de matérias-primas agrícolas. Quando penalizamos a importação destas matérias-primas apenas estamos a penalizar os nossos exportadores e, em consequência, a destruir riqueza. Se, ainda por cima, essas matérias-primas são oneradas pela atividade portuária no estrangeiro estamos pagando serviços a países concorrentes que poderíamos estar a pagar a empresas do nosso país.
Portugal está penalizando as suas próprias empresas, pagando desnecessariamente a prestação de serviços ao estrangeiro, perdendo investimento estrangeiro, tornando os nosso portos menos competitivos e destruindo a rentabilidade dos investimentos realizados em plataformas logísticas a troco de uma redução significativa das receitas fiscais. Menos produção de riqueza significa perda de receita fiscal.
Tudo isto a troco de um falso combate à evasão fiscal, pretendia-se cobrar o IVA logo na importação e o resultado foi o óbvio, os importadores passaram a importar por portos estrangeiros e as multinacionais optaram por países onde não têm de suportar o custo financeiro do adiantamento do IVA sobre mercadorias que não sabem quando serão vendidas. Em vez de importarem as mercadorias através de Portugal as empresas optam por portos como Vigo, Roterdão ou Barcelona, onde introduzem em livre prática, expedindo depois as mercadorias para Portugal.
Isto é possível porque nesses países os importadores não são obrigados a pagar o IVA “à cabeça” e no caso de mercadorias destinadas a Portugal é possível introduzir essas mercadorias em livre prática na União Europeia, mediante o pagamento dos direitos aduaneiros, sendo o IVA paga apenas quando forem introduzidas no consumo, isto é quando forem vendidas. Daqui resulta que as grandes multinacionais não instalam os seus centros de logística num país onde o IVA é logo cobrado na importação e os importadores desse país preferem não suportar esse imposto pagando-o no momento da importação.
Suportar 23% do custo das matérias-primas é um custo excessivo e num momento de crise em que as nossas empresas enfrentam grandes dificuldades de financiamento junto da banca só mesmo uma empresa suicida opta por importar através de Portugal.
O argumento de que o combate à evasão fiscal é mais eficaz se o IVA for cobrado no momento da importação é falso, as autoridades nacionais perdem o controlo sobre a importação e nada nos garante que os nossos parceiros europeus sejam igualmente exigentes, até porque as mercadorias não se destinam aos seus mercados. Enquanto não forem revendidas as autoridades nacionais não terão qualquer controlo sobre estas mercadorias.
O argumento de que desta forma se cobra mais receita fiscal é igualmente falso pois a verdade é que se perde muita riqueza e muitos empregos e, por esta via, perde-se receita fiscal. Ao expulsar a atividade económica o país está a exportar a sua receita fiscal e chegamos a uma situação absolutamente ridícula, o Estado que pede ajuda internacional perde riqueza e ajuda os cofres dos Estados que nos emprestam dinheiro e ainda se sujeita a ouvir referências menos agradáveis por parte dos governantes dos países beneficiários.
O argumento dos defensores desta solução aberrante de que as empresas podem recorrer aos entrepostos aduaneiros é uma falácia. Nenhuma empresa vai dividir o seu espaço de armazenagem e sujeitar-se a sucessivas formalidades aduaneiras para poder dispor das suas próprias mercadorias, com todas as consequências burocráticas mais as multas pesadas sempre que cometer algum erro.
Se a intenção era empolar receitas fiscais cometeu-se um grande erro, são as alfândegas espanholas ou holandesas que poderão exibir esses resultados e com isso não só ganharam atividade e ainda beneficiaram da retenção de 25% dos direitos aduaneiros cobrados e que são receita nacional a título de custos administrativos.
A cobrança do IVA no momento da importação não traz qualquer benefício ao Estado português, prejudica gravemente a economia e tem múltiplos efeitos perversos:
O país perdeu receitas fiscais, quer em resultado da perda da atividade económica, quer porque a atual situação favorece a evasão e fraude fiscais. Ainda penalizou o Tesouro português porque os 25% dos direitos aduaneiros comunitários que são entregues a título de despesas administrativas são receitas dos Estados onde as mercadorias destinadas a Portugal são desalfandegadas.
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